A decisão do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de revogar um ato normativo da Receita Federal que continha regras sobre coleta de informações de movimentações financeiras acima de R$ 5 mil, via Sistema de Pagamentos Instantâneos (Pix), foi mais uma derrota pública do seu governo, após uma forte pressão da oposição bolsonarista.
Preocupado com os reflexos negativos em sua popularidade depois da estrondosa repercussão nas mídias sociais do vídeo publicado pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), o presidente Lula cobrou de seus ministros a definição de uma nova estratégia para reduzir os danos políticos até as eleições gerais do próximo ano, quando deverá tentar a reeleição.
A situação evidenciou problemas para além da área de comunicação do Palácio do Planalto, que tinha acabado de trocar de mãos justamente para evitar situações semelhantes, como a repercussão negativa do polêmico episódio de tentativa da volta do Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (Dpvat).
No caso do Dpvat, mais uma vez um equívoco do governo de Lula deixou brechas que foram muito bem exploradas pelo bolsonarismo, que conseguiu usar ações do Executivo para atingi-lo nas suas principais bandeiras, ou seja, de não penalização de quem ganha menos e, portanto, não pode pagar mais impostos.
Gota d’água
Agora, a crise em razão do Pix parece ser a gota d’água que faltava para o balde transbordar e trazer estragos políticos para o presidente Lula e também para as demais lideranças petistas nos estados, incluindo Mato Grosso do Sul, onde a legenda já sofre com o fato de a maioria do eleitorado ser extremamente conservadora, principalmente na capital Campo Grande.
Após o fraco desempenho dos candidatos petistas nas eleições municipais do ano passado em todo o Brasil, quando os eleitores deram um recado claro ao governo federal de que as questões prioritárias deixaram de ser as causas de justiça social, racial e de gênero e passaram a ser o aumento do poder aquisitivo dos trabalhadores, Lula tem procurado desviar das pautas que possam provocar rusgas com o eleitorado conservador brasileiro.
Esse novo foco de atuação ganhou força para que o PT não chegue às eleições de 2026 como um alvo a ser abatido pela maioria do eleitorado nos quatro cantos do Brasil, como ocorreu em 2024, com raras exceções, sendo uma presa fácil para os candidatos da direita e da centro-direita.
No entanto, Lula terá dificuldade para convencer a ala petista que não pensa de forma tão liberal e ainda insiste em manter as velhas bandeiras das outras duas gestões do presidente. O PT mais radical se recusa a abraçar esse novo conceito de mundo que ajudou a eleger Donald Trump como o novo presidente dos Estados Unidos.
Dessa forma, a meta traçada pelo presidente da República de eleger o maior número possível de senadores e deputados federais em 2026 está seriamente ameaçada, principalmente em Mato Grosso do Sul, onde o deputado federal Vander Loubet (PT) vai tentar uma das duas cadeiras ao Senado.
Concentrando a carga
Ao contrário dessa ala petista mais radical, a oposição bolsonarista, por sua vez, tem concentrado a carga em iniciativas que afetam esse novo eleitorado, pois já enxergaram que a chave para os corações e mentes desse novo público é conjugar a economia com uma perspectiva moral, mostrando que a esquerda tem como objetivo atrapalhar a vida do cidadão.
Ao derrubar a resolução da Receita Federal, o governo Lula demonstrou “imaturidade política”, e o recuo foi um prato cheio para o bolsonarismo porque demonstrou que a medida poderia, sim, no futuro, virar mais uma tributação sobre quem ganha R$ 5 mil mensais.
Além do alcance orgânico de críticas vindas do vídeo do deputado mineiro e da família Bolsonaro, parlamentares da oposição também fizeram impulsionamento pago de publicações nas redes sociais, em especial no Instagram, sugerindo que o objetivo da medida da Receita seria “fiscalizar o Pix” e cobrar impostos sobre as movimentações, o que não constava na resolução.
Contra-ataque
O resultado foi um balde de água fria no governo de Lula e no PT, que ainda estão contabilizando os reflexos negativos da crise junto aos trabalhadores informais e parcelas da classe média. Por isso, o governo já está desenvolvendo medidas como a criação às pressas de uma campanha publicitária e a ampliação na oferta de crédito para produtores rurais.
Na semana passada, Lula convocou uma reunião de emergência, com os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Sidônio Palmeira (Secom) e o chefe da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, para “blindar” o Pix e tentar conter a oposição.
Agora, frentes distintas foram abertas para mitigar o prejuízo e uma campanha publicitária que já havia sido encomendada pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) às agências sofreu uma modificação e vai explicar a revogação.
Porém, para a ala mais esclarecida do partido, o governo federal chega com a solução depois que o leite já foi derramado.
Mudança de estratégia
Os petistas de Mato Grosso do Sul são favoráveis à mudança de estratégia política por parte do governo de Lula, que está de olho nas eleições gerais de 2026. O presidente estadual do partido, Vladimir da Silva Ferreira, disse ao Correio do Estado que o governo federal agora está reorganizando toda a sua coordenação política e a comunicação.
“Na minha opinião, tem de trabalhar em duas frentes. Fora as mídias tradicionais e as novas mídias, tem de ter uma presença efetiva dos representantes do governo nos estados, lançando e entregando tudo que o governo já fez nesses dois anos”, disse.
Ele completou que essa estratégia de terrorismo digital da oposição já é conhecida e o governo precisa agora acertar no remédio contra isso. Fonte: Correio do Estado