
A iniciativa foi lançada nesta terça (15), com a presença da ministra Sonia Guajajara e do ministro Mauro Vieira; Serão ofertadas duas vagas para indígenas que prestarão concurso – Foto: Divulgação
Nesta terça-feira (15), foi lançado programa para concessão de bolsas de estudo a candidatos indígenas ao concurso de admissão à carreira de diplomacia. Na solenidade, foi assinado acordo de cooperação técnica entre o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), o Ministério das Relações Exteriores (MRE), por meio do Instituto Rio Branco, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que vai viabilizar a oferta de duas vagas para candidatos indígenas. A cerimônia de lançamento foi realizada durante o terceiro módulo do Programa Kuntari Katu: Líderes Indígenas na Política Global.
O evento contou com a participação da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira. Em seu discurso, a ministra falou do atual momento, em que os povos indígenas alcançam protagonismo nos espaços de incidência internacional. “O ministro Mauro falou há pouco que o Instituto Rio Branco é a segunda academia diplomática do mundo. E agora, ministro, também vai ser a primeira que também tem no seu histórico uma formação direta com povos indígenas. Isso certamente já estará na história”, disse a ministra.
O acordo tem o objetivo de incentivar e apoiar o ingresso de pessoas indígenas na carreira de diplomata, mediante a concessão de bolsas-prêmio destinadas ao custeio de estudos preparatórios ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD). “Traduzindo para os não indígenas, Kuntari Katu significa ‘aquele que fala bem’. É a nossa diplomacia indígena se preparando não só neste curso que já estamos realizando, mas também para o futuro, com esse termo que assinamos hoje nessa valorosa parceria, para que os povos indígenas tenham essa oportunidade de também se inserirem na carreira diplomática”, ressaltou a ministra Sonia Guajajara.
A diretora geral do Instituto Rio Branco, embaixadora Mitzi Gurgel Valente da Costa, reforçou em sua fala que a assinatura do acordo representa um passo importante na ampliação das ações afirmativas inauguradas em 2002 no Instituto. “Essa iniciativa reflete o longo compromisso do Itamarati e do Instituto Rio Branco com a promoção da diversidade, da inclusão e da representatividade na política externa brasileira. A continuidade do programa nos orgulha e nos motiva a renovar esforços para ajudar a ampliar as vozes indígenas nas nossas discussões internacionais a respeito da promoção e proteção da biodiversidade e do meio ambiente”, defendeu a embaixadora.
Em seu discurso, o presidente substituto do CNPq, Olival Freire Júnior, defendeu que os indígenas aspiram estar presentes em posições de relevância para a sociedade e para o Estado brasileiro, inclusive no corpo diplomático do país. “É um acordo muito importante. Não só pelo seu significado intrínseco, mas também porque são acordos que desbravam um terreno que nós estamos, ainda, numa fase muito inicial. Que, no ponto de vista do CNPq, esse terreno representa a busca por maior diversidade e inclusão na ciência brasileira. Nós temos a convicção de que nós teríamos uma ciência melhor, uma ciência mais efetiva, um conhecimento científico mais rico, quanto maior for a inclusão e a diversidade presente nos quadros científicos brasileiros”, defendeu.
O ministro das relações exteriores, Mauro Vieira, falou sobre a importância da presença indígena 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30, que será realizada na Amazônia. “Sabemos que a Amazônia não é apenas floresta, é também os povos. São vocês, guardiões e guardiãs das florestas, que há séculos mantêm vivas as práticas de proteção, manejo sustentável e respeito à vida em todas as suas formas. São os povos indígenas dessas comunidades tradicionais os principais responsáveis pela conservação do vasto território que estocam carbono, abrigam biodiversidade e asseguram que a floresta se mantenha em pé”, disse.
O ministro também defendeu que os povos indígenas tenham protagonismo e incidam nas negociações na Conferência, com base em seus conhecimentos. “A COP 30 será uma oportunidade sem precedentes para que as vozes indígenas estejam no centro do debate global. Queremos que as demandas, os saberes e as propostas dos povos originários possam ser ouvidos e conhecidos internacionalmente, influenciando compromissos em mitigação, adaptação, financiamento climático e transição justa”, completou o ministro.
Além das bolsas de estudo ofertadas, em parceria com os alunos do curso de formação de diplomatas, o Kuntari Katu, o Instituto Rio Branco lançará um grupo de mentoria para os indígenas beneficiados pela ação afirmativa. Os cursistas do Kuntari Katu atuarão como monitores para colaborar na formação dos candidatos indígenas bolsistas. “Estou, agora, segura de que o programa de bolsas, assistido pelo grupo de mentoria, atrairá um número crescente de candidatos indígenas. E que, em um futuro não muito distante, poderemos contar com os diplomatas indígenas nos nossos quadros”, disse a embaixadora Mitzi Gurgel.
Vinda da Terra Tradicional do Povo Anacé, no Ceará, Flávia Anacé é uma das estudantes do Programa Kuntari Katu. “O dia de hoje é muito significativo, muito importante para nós. Tanta gente teve que ser sepultada e a gente passou por tantos processos de luto para conseguir chegar até aqui. Futuramente, também tenho a vontade de ser uma diplomata e representar toda a comunidade indígena a nível global. Duas vagas de bolsa de estudo para indígenas pode parecer pouco para quem está de fora. Mas para nós, que estamos dentro da luta, que vemos a dificuldade de se inserir nesses locais, reconhecemos que é de extrema importância”, contou a liderança indígena.
Ludimar Kokama veio do Alto Solimões, no Amazonas, para participar do terceiro módulo do Kuntari Katu e falou sobre sua expectativa para a participação indígena nas agendas globais. “Quando a gente sonha no coletivo, o sonho se torna realidade. O meu sonho, a partir da possibilidade que se abriu hoje, é que essas pessoas indígenas que estarão nesse lugar possam honrar os nossos antepassados que lutaram para que nós estejamos aqui nesse momento. É que elas ajam com respeito e com muita dedicação por quem de fato lutou por nós. E garantiu que hoje estejamos aqui para dar continuidade nesse processo”, disse Ludimar.
Sobre o Kuntari Katu
Iniciativa conjunta entre os Ministérios dos Povos Indígenas, do Meio Ambiente e Mudança do Clima e das Relações Exteriores, o Programa teve sua primeira edição em agosto de 2024, visando a formação de jovens líderes indígenas nos temas relacionados à governança global. Participam do Programa 30 indígenas, representando diversas regiões do Brasil: Amazônia (11), Caatinga (6), Cerrado (4), Mata Atlântica (4), Pampa (4) e Pantanal (1). O terceiro módulo teve início nesta segunda-feira (14) e segue até quinta-feira (16), no Instituto Rio Branco, em Brasília.
Em seu discurso, a ministra contou que o Kuntari Katu é fruto de um planejamento ainda do início da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o intuito de ampliar e qualificar a participação indígena na COP30 de Belém do Pará. De acordo com a ministra, ainda na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Dubai, nos Emirados Árabes, foi realizada uma reunião com o movimento indígena e apoiadores presentes, em que se decidiu pela necessidade da participação e incidência direta de representantes indígenas na Conferência, somada à formação de lideranças.
“Queríamos um espaço que aglutinasse a política global de povos indígenas e que garantisse essa incidência e sinergia entre meio-ambiente, biodiversidade e clima. Com os povos indígenas levando isso para dentro das discussões. E foi aí que a gente foi amadurecendo a ideia até chegarmos ao Kuntari Katu”, contou a ministra.
No terceiro módulo do programa, serão realizadas aulas de introdução à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e processos da COP, sobre transição justa, sobre mitigação e adaptação, e sobre financiamento climático, entre outros temas. Na manhã desta terça (15), os os cursistas do programa também participaram do evento “Conectando Clima e Natureza: Recomendações para Negociações Multilaterais”. Realizado por organizações da sociedade civil, o evento contou com a presença das ministras dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.
Outras ações
Além do Kuntari Katu, o MPI prepara um conjunto de ações para que a COP30 consolide e reconheça a importância dos povos indígenas e seus territórios para a proteção do meio ambiente, para a conservação da biodiversidade e para o enfrentamento à emergência climática.
Na última semana, durante o Acampamento Terra Livre em Brasília, foi lançada a Comissão Internacional Indígena da COP 30. Composta por membros do movimento indígena brasileiro e internacional, a Comissão faz parte do Círculo de Povos, um dos quatro vinculado à presidência da COP30. Ambos serão presididos pela ministra Sonia Guajajara.
Além disso, a partir desta semana, o MPI inicia um circuito por todo o país com a realização de caravanas regionais com representantes indígenas de todos os biomas brasileiro. Serão, ao todo, 14 caravanas, a primeira será realizada na cidade sede da COP30, Belém do Pará.
Ludimar Kokama se referiu à iniciativa como um marco na mobilização indígena, por levar a informação até as bases do movimento. “Nessas caravanas, o MPI vai de fato dialogar com as bases e de lá tirar as propostas que o movimento indígena vai levar para COP. É muito importante que essas informações cheguem na ponta, e que a gente consiga formar primeiramente as nossas lideranças. Para que essas informações não estejam restritas só para nós, que compomos o Kuntari Katu. E para que esse diálogo durante a COP30 seja mesmo proveitoso. A COP é um momento único para nós, estaremos dentro do nosso território amazônico e queremos trazer um bom resultado para nossas comunidades e para nossas aldeias”, completou a liderança indígena.